Aqueles que conhecem o Novo Testamento na língua grega recordarão que há duas palavras gregas diferentes que são traduzidas pela mesma palavra “vigiai” na versão inglesa de nossa Bíblia. Essas palavras não são contraditórias, mas se complementam: “Olhai, vigiai e orai; porque não sabeis quando será o tempo” (Marcos 13:33); depois temos “Vigiai, pois” (13:35), e, finalmente, “E o que a vós digo, a todos o digo: Vigiai” (13:37). Consideraremos primeiro a palavra grega que aparece nos versos 13:35 e 13:37 do Evangelho de Marcos.
Procurei a origem dessa palavra e como ela foi usada neste contexto. Em essência, essa palavra tem como cortina de fundo a ideia de um mercado. Portanto, provavelmente o significado dessa segunda palavra grega se origina da ideia de um mercado, como um lugar onde as pessoas se reúnem com um propósito e, ao mesmo tempo, estão alertas.
No Novo Testamento, há uma passagem em que essa mesma figura –a de um mercado– é a ideia subjacente. Quando Paulo escreveu para os cristãos em Éfeso, ele diz: “Comprem as oportunidades”, ou “redimam o tempo”, como encontramos em uma antiga versão; neste versículo, a ideia principal é de um mercado, onde se encontrava um mercado ou vários mercados, ávidos de lucro, alertas em busca de um bom negócio, com seu coração inteiramente focado em seus negócios.
Segundo essa palavra grega empregada em 13:35 e 13:37, todas essas ideias são expressas na palavra “vigiai”. Aplicando essa definição para uma alma individual, por exemplo, significa ter todas as capacidades reunidas, concentradas, em alerta e completamente acordadas.
Era isso o que o Senhor Jesus estava dizendo a aqueles homens. Ele não lhes ordenou subir a um monte e ficar observando o primeiro brilho do amanhecer; Ele lhes ordenou estar vigilantes. Nosso Senhor os poria em Jerusalém e Samaria e os enviaria aos limites da terra, mas lhes ordenou que, em qualquer lugar que estivessem, que estivessem completamente acordados, alertas, com todas suas capacidades e sentidos concentrados e em prontidão para a imediata entrada em ação e cooperação.
O significado da palavra “vigiar”, segundo o Senhor a usou, deve ser definido examinando as ocasiões em que é empregada, e pode ser resumido da seguinte forma: primeiro Ele lhes adverte a serem cautelosos, muito cuidadosos em sua lealdade para com Ele. “Olhem! –advertiu o Senhor duas vezes– que ninguém vos engane, pois muitos profetas virão em meu nome, e muitas vozes proclamarão: Eu sou o Cristo”.
O segundo significado expresso pela palavra “vigiai”, conforme é empregada por nosso Senhor, implica manter uma atitude de valor. Não vos deixeis perturbar quando ouvires falar de guerras e rumores de guerras. Nem mesmo estejam ansiosos quando a maré de hostilidade estiver focada em vocês, e sofrerem perseguições e sofrimentos. Não estejais ansiosos.
Depois disso, imediatamente, conectou vigiar com orar. “Olhem, vigiem e orem”. A palavra “vigiem” empregada no versículo (13:33) corresponde a outra palavra grega que é traduzida como vigiar em nossa Bíblia. As duas palavras gregas têm o mesmo significado – vigiar, mas esta última refere-se a vigiar de um ponto de vista diferente. É uma palavra negativa. Significa “não se deixe adormecer”. E, do modo como o Senhor a emprega, significa não deixar-se adormecer nesta questão da oração.
Trata-se de uma palavra grega bastante interessante, pois é uma palavra peculiar, que descreve a atitude de uma alma em adoração, o qual inclui pedir algumas coisas, mas não necessariamente. Pode haver oração sem que haja petição, pois a oração não significa apenas pedir. É possível que estejamos pedindo alguma coisa continuamente, sem que tenhamos orado, segundo o significado desta segunda palavra grega. A oração aqui referida descreve uma alma prostrada na presença de Deus; significa fazer que os desejos da alma se voltem para Deus.
É muito possível que algumas vezes nem sequer consigamos pedir algo ao Senhor; muitas vezes isso acontece comigo, ocasiões em que não sei por que orar. No entanto, até posso orar, segundo o que esta segunda palavra significa; a alma voltando-se para Deus desejando apenas a Deus e sua vontade. Há um versículo muito precioso no livro dos Salmos, que exemplifica a situação em que uma alma se expressa a Deus neste tipo de oração: “Minha alma se apega a ti”. Isso significa orar. O que oraremos hoje? Há algumas coisas que não podemos pedir, pois não queremos contrariar algo que esteja de acordo com o propósito de Deus; mas nossa alma pode lançar-se em direção a Deus e a favor de sua vontade. Vigiar é a alma que permanece em vigília, sem adormecer, porque deseja a Deus intensamente.
Finalmente – e o menciono no último lugar, porque o Senhor também o menciona no final, não porque seja último em importância– vigiar é trabalhar; trabalho específico, definido pelo Senhor, para ser realizado em sua ausência; trata-se de um trabalho pessoal, cada um tem o seu; trabalho no qual pequenas coisas se tornam gloriosas em relação ao todo.
Nosso vigiar, portanto, primeiro é a solene e resolvida manutenção da nossa lealdade ao nosso Senhor e Mestre. Em segundo lugar, é aquela coragem de coração que não se deixa perturbar pelas guerras e rumores de guerras e não está ansiosa nem mesmo na hora do sofrimento. Em terceiro lugar, é aquela vida de oração que não está perpetuamente desejando a segunda vinda do Senhor simplesmente porque deseja escapar de alguma coisa, mas busca constantemente seu Reino, sua glória e a realização do seu propósito.
Finalmente, vigiar é trabalhar. A atitude daqueles que, no princípio da era cristã, estavam com os olhos fixos nos céus aguardando a segunda vinda foi repreendida pelo anjo com as seguintes palavras: “Varões galileus, por que estão olhando para o céu? Este mesmo Jesus, que foi levado de vós para o céu, assim virá como o vistes ir para o céu”. “Este mesmo Jesus… virá”. Não é necessária nenhuma ansiedade. Nosso dever é obedecer a sua ordem. A cada um Ele designou a sua obra (Mar. 13:34).
Para finalizar, minha última palavra no presente capítulo é pessoal. Nenhum dos eventos que estão ocorrendo atualmente no mundo me assusta ou surpreende, e tampouco assustam e surpreendem a Deus. Nenhuma dessas coisas – que, confesso, sou menos capaz de explicar hoje que ontem porque se tornam um enigma cada vez maior – eram desconhecidas do meu Senhor há tanto tempo atrás. Ele viu a época em que entrou na história deste mundo. Ele conhecia a dimensão das forças que se oporiam ao seu Reino, um reino de justiça, paz e alegria. Esta é a ordem no Reino: primeiro justiça, depois paz; de modo que a alegria nunca vale a pena se não for originada na paz resultante da justiça.
Tirado do livro do autor “Evangelho de Marcos”.