Leitura: Mateus 16:13-25 , Lucas 22:31-34 .
“Bem-aventurado és, Simão Barjonas… Meu Pai (to revelou)” (Mt 16:17).
“Mas Jesus, voltando-se, … disse a Pedro: Arreda, Satanás!” (Mt 16:23).
“Simão, Simão… Satanás vos reclamou… eu, porém, roguei por ti…” (Lucas 22:31-32)
Temos diante de nós a história espiritual da edificação de um servo de Deus, e isso pode ser visto no caso representativo e muito humano de Simão Pedro. Aquilo que é destacado por meio das passagens acima é o fato de que, a vida de alguém que está relacionada de forma vital aos interesses do Senhor, atrai grande interesse tanto do céu como do inferno, e essa pessoa se torna um campo de batalha em ambos os reinos; entre Deus e Satanás, entre o céu e o inferno. Você dificilmente poderia ter qualquer outra coisa que ilustra de forma mais vívida estes contrastes enormes como aqui. Em um momento – “Bem-aventurado és, Simão Barjonas, porque não foi a carne e o sangue que to revelaram, mas meu Pai, que está nos céus”, e , ao que parece, em poucos minutos – “Arreda, Satanás: tu és para mim pedra de tropeço (um delito), porque tu não cogitas das coisas de Deus, e sim das dos homens” (Mateus 16:23). Em seguida, em conexão com isso, temos a outra passagem de Lucas. Literalmente, as palavras são: “eis que Satanás vos reclamou para vos peneirar como trigo! Eu, porém, roguei por ti”. Você mal sabe o que fazer com tal balanço de pêndulo em um homem, mas isso tem suas lições, e a própria gravidade da situação acentua as lições que são ensinadas.
O Terreno do Poder de Satanás
(a) O Mundo
Você vê que é uma questão, em primeiro lugar, do terreno que é tomado e ocupado por aquele que é alvo de interesse. Quando Pedro tomou a terra celestial – “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo” – ele estava em uma posição muito forte. As chaves do reino dos céus, ligando na terra e ligando no céu, eram dele. Mas ele era fraco, e estava em uma posição muito fraca, quando tocou o solo terrenal, o terreno dos homens, e de seu próprio julgamento e de sua própria individualidade. O terreno tomado determinou se ele estava espiritualmente forte ou fraco, e se Satanás teria poder sobre ele ou não. Parece que, quando o Senhor estava falando com eles sobre o que ia acontecer em Jerusalém em relação a sua morte, Simão tomou-O à parte silenciosamente, e de uma forma muito gentil e con soladora, e ainda com certa quantia de proteção, pode-se sentir, disse ao Senhor que Ele não deveria ser tão deprimido e sombrio, e que Ele devia ter uma visão mais clara das coisas, e que esse tipo de coisa certamente não iria acontecer com ele. Mas, na atitude de Pedro, no terreno de Pedro, o Senhor viu distintamente uma recorrência daquilo que Ele havia conhecido tão terrivelmente no deserto em Sua tentação, quando Satanás lhe ofereceu os reinos deste mundo sem a cruz – e tinha procurado, por assim dizer, desviá-lo do caminho para o qual Ele tinha Se comprometido. Pedro tinha se tornado nada menos que a voz e instrumento do mesmo arqui-inimigo que tentava tirar o Senhor da Cruz. Daí a palavra seguinte sobre como salvar a vida. Mas tendo como fundamento o fato de ter o Reino e o Trono em qualquer outra linha que não seja a linha ordenada por Deus – que é o caminho da Cruz – é uma aliança com Satanás, e vai colocar qualquer um sob aquela aliança sob o p oder de Satanás e isso vai destruí-los espiritualmente.
Em primeiro lugar, então, é muito evidente que qualquer terreno do mundo, que por sua natureza é um reino sem sofrimento, sem cruz, sem colocar de lado a vida natural, é o reino do poder e autoridade de Satanás. É perfeitamente claro que, no caso da Igreja, falando de maneira bastante geral, e no caso de inúmeros cristãos, a fraqueza, a derrota e desonra que os caracterizam, e que se tornou tão evidente no caso de Pedro, são devido a ocupar o terreno da força de Satanás. Esse solo pode ser considerado comprometido com o mundo em seus princípios.
(b) O Eu não crucificado
Em segundo lugar, havia a força natural de Pedro, a autoconfiança. “Senhor, estou pronto para ir contigo, tanto para a prisão como para a morte.” Mais tarde, ele descobriu como não estava pronto, e como estava despreparado para isso, mas naquele momento por causa da autoconfiança, e esse terreno trouxe sua ruína e o poder de Satanás. O eu ainda estava vivo e dominante em vez de morto, colocado na cruz, e este é o terreno sob o poder de Satanás. Somente quando a alma tiver sido negada e colocada de lado, o poder de Satanás será destruído e poder espiritual estabelecido na vida do filho e do servo de Deus. É uma questão de terreno – se é o mundo, ou se é do eu (outra palavra para a carne) – isso determina o quanto Satanás tem poder e até onde nós temos o poder espiritual.
A Necessidade de Persistente Determinação
A seguir, o que o Senhor diz a Pedro é muito indicativo e, penso eu, muito útil. “Tu és para mim pedra de tropeço (um delito).” O Senhor tinha lutado esta batalha, tinha tomado o Seu terreno, tinha firmado os pés sobre esta forma da vontade de Deus para ele, ou seja, pela Cruz para o Reino, e este não era um caminho fácil para Ele. Não era apenas o fato de ser crucificado e ser morto, mas que o estar sendo feito pecado e tudo o mais que está envolvido principalmente em relação ao abandono de Deus. Não era um caminho fácil, e Ele tinha que manter-Se rigidamente nessa direção, e tudo o mais que vinha para influencia-Lo do contrário só trouxe a Ele uma nova demanda de resolução e persistência. Assim, a afirmação O ofendeu no sentido de que tornou mais difícil para Ele, torno u duro para Ele, e não O ajudava em nada. A intenção pode ter sido de ajudar, tão longe quanto Pedro poderia perceber – sem saber o que ele estava dizendo – mas por trás dele o Senhor viu que foi levantada a velha questão de novo, a velha batalha, e, portanto, ofendeu Seu senso da vontade de seu Pai e entrou no Seu caminho para torna-lo mais difícil.
Eu acho que tudo isto nos mostra que uma posição deve ser tomada em relação às muitas coisas onde a vontade de Deus está relacionada. Temos que tomar definitivamente e positivamente tal posição, e depois perceber que de tempos em tempos haverá, de uma forma ou de outra, um esforço do inimigo para mudar nossas mentes, para nos enfraquecer naquele curso, para fazer outras sugestões, para nos levar a reconsidera-la à luz de várias questões e interesses. Vamos enfrentar essa ofensiva, este tropeço, esse impedimento e teremos que ser muito firmes com ele. A forma como o Senhor lidou com Pedro foi, de certa forma, cruel. Realmente não havia nenhuma fraqueza na Sua atitude relacionada a isto. Discernindo a Sua verdadeira natureza, Ele viu claramente que, se Ele se rendesse a esta suges tão, então Ele nem iria para Jerusalém nem para a Cruz. É uma questão o saber se este caminho é a vontade de Deus, e em seguida, será este ou aquele ponto que se levanta – em longo prazo – nos afastará de chegar lá, de fazer essa vontade? Se assim for, isso tem que ser tratado de forma muito cruel e colocado para trás de nós e para fora do caminho. A Cruz vem a nós em muitas conexões e termos diferentes.
Então, se realmente vamos chegar até o lugar de poder espiritual, como fez Pedro, este terreno do inimigo deve ser continuamente abandonado e recusado. O inimigo tem de ser roubado daquilo que pode e vai dar-lhe poder para destruir-nos, e nós temos que ser muito cruéis com qualquer coisa que surge para dar-lhe essa posição e derrotar a intenção de Deus naquilo que está em jogo. Esta batalha entre o céu e o inferno, Deus e Satanás, se passa em nossas almas, mas temos para nós esta consolação, que temos um Sumo Sacerdote sempre vivo para interceder. Nós temos um grande trunfo na contínua intercessão do Senhor Jesus por nós. Encerremos nessa nota de encorajamento e segurança.
Fonte – Publicado pela primeira vez na revista “A Testemunha e um testemunho”, em setembro e outubro de 1948, Volume 26-5.