“O seu caso lembra o meu próprio; os meus primeiros desejos com vistas ao ministério foram acompanhados de grandes incertezas e dificuldades, e a perplexidade da minha mente piorou com os vários e antagônicos julgamentos dos meus amigos. O conselho que tenho para oferecer-lhe é resultado de experiência e exames penosos, e, por esta razão, talvez não lhe seja inaceitável. Rogo a Deus que, por Sua graça, torne-o útil.
Fiquei muito tempo angustiado, como você está, sobre o que era ou não era uma verdadeira vocação para o ministério. Agora me parece ponto fácil de resolver, mas, talvez não o seja para você, até que o Senhor lho esclareça em seu caso particular. O tempo não dá para eu dizer tudo que poderia dizer-lhe. Em resumo, creio que a questão inclui principalmente três coisas:
1. Um ardente e intenso desejo de empregar-se neste serviço. Entendo que o homem que uma vez foi movido pelo Espírito de Deus para este trabalho, irá preferi-lo, se lhe for acessível, a tesouros em ouro e prata. Assim é que, embora às vezes intimidado pelo senso da importância e das dificuldades do trabalho, comparadas com a sua grande insuficiência pessoal (pois é de presumir-se que um chamamento desta natureza, se realmente provém de Deus, será acompanhada de humildade e de auto-humilhação), ele não poderá abandoná-lo. Afirmo que uma boa regra é indagar, neste ponto, se o desejo de pregar é o mais fervente nos centros vitais da estrutura do nosso ser, e quando estamos mais prostrados no pó perante o Senhor. Se é assim, é bom sinal. Mas se, como às vezes se dá, a pessoa está muito ansiosa por ser um pregador para outros, embora não exista em sua própria alma uma fome e uma sede da graça de Deus,então, é de temer que o seu zelo provenha de um princípio egoístico, e não do Espírito de Deus.
2. Além desse apaixonado desejo e prontidão para pregar, é preciso que, no devido tempo, apareça alguma competente aptidão quanto a dons, conhecimento e elocução. Seguramente, se o Senhor envia alguém para ensinar outros, supri-lo-á dos meios necessários. Creio que muitos que se fizeram pregadores, o fizeram com boa intenção; todavia, foram antes de receber ou ultrapassaram a vocação deles ao agirem assim. A principal diferença entre um ministro e um cristão sem vocação especial, parece consistir naqueles dons ministeriais comunicados àquele, não para o seu próprio interesse, mas para a edificação de outros. Mas digo que estes dons devem aparecer no devido tempo. Não se deve esperar que surjam instantaneamente, mas de forma gradual, no uso próprio dos meios. São necessários para desempenhar o ministério, mas não são necessários como requisitos que assegurem os nossos desejos quanto a ele. No seu caso,você é jovem e dispõe de tempo. Diante disso penso que não precisa perturbar-se querendo saber se já tem esses dons. Se o seu desejo é firme e se quiser, basta esperar no Senhor por eles, por meio da oração e da diligência, pois você ainda não precisa deles.
3. O que finalmente evidencia um chamamento genuíno é uma correspondente abertura na providência, mediante uma série gradativa de circunstâncias que apontem para os meios, a ocasião e o lugar de entrar de fato no trabalho. E até que chegue esse ponto de coincidência, não espere estar sempre livre de hesitação em sua mente. Nesta parte do assunto, a principal cautela consiste em não ser apressado em agarrar os primeiros indícios que aparecem. Se for da vontade do Senhor introduzi-lo no Seu Ministério, Ele já designou o seu lugar e o seu serviço, e embora não o saiba no presente, sabê-lo-á no devido tempo. Se você tivesse talentos de anjo, não poderia fazer muita coisa boa com eles enquanto não chegasse a hora de Deus e Ele não o levasse às pessoas que determinou a abençoar por seu intermédio. É muito difícil restringir-nos aos limites da prudência neste ponto, quando o nosso zelo é ardoroso. O sentir o amor de Cristo em nossos corações e a terna compaixão pelos pobres pecadores propendem para fazer-nos irromper cedo demais; mas quem crê não se precipita. Fiquei cinco anos sobesta compulsão. Às vezes achava que devia pregar, mesmo que fosse nas ruas. Dava ouvidos a tudo que me parecia plausível, e a muitas coisas que não o eram. Mas o Senhor misericordiosamente, e como que insensivelmente, cobria de espinhos o meu caminho. Do contrário, se eu fosse deixado entregue ao meu próprio espírito, eu teria me colocado fora da possibilidade de ser introduzido numa esfera de serviço proveitoso como esta, à qual aprouve a Deus guiar-me no Seu tempo certo e bom. E agora posso ver claramente que, na época que queria sair a campo pela primeira vez — embora a minha intenção fosse boa, acredito — eu me superestimei, pois não possuía aquele discernimento e experiência espiritual indispensável para tão grande serviço”.
John Newton
Carta citada por SPURGEON, H. Charles. O Chamado para o Ministério. Editora PES
[John Newton (1725-1807) foi um notável homem de Deus do passado, tendo vivido antes de sua conversão à fé cristã como um traficante de escravos, Newton tornou-se um grande defensor na Inglaterra do fim da escravidão, influenciando o abolicionista William Wilberforce. Foi também autor de muitos hinos do repertório cristão, incluindo Amazing Grace.]