“Ouvindo-o Elias, envolveu o rosto no seu manto e, saindo, pôs-se à entrada da caverna” (1 Reis 19.13). Isso é extraordinário. Pelo que conseguimos apreender do registro inspirado, Elias permaneceu imóvel diante das várias demonstrações de poder e Jeová (vento, terremoto e fogo), embora fossem amedrontadores — com certeza uma clara indicação de que a sua consciência não estava carregada de culpa! Mas quando ouviu o cicio (voz) tranquilo e suave, comoveu-se de imediato. O Senhor Se dirigiu ao Seu servo não de forma raivosa e austera, mas com gentileza e ternura, para mostrar-lhe quão compassivo e gracioso era o Deus com quem Elias teria de lidar, e isso lhe tocou o coração. A palavra hebraica traduzida como “tranquilo” é a mesma empregada no Salmo 107.29: “(Deus) Fez cessar a tormenta”. O ato de Elias encobrir o rosto com o seu manto sinalizou duas coisas: a sua reverência para com a majestade de Deus e um senso da sua própria indignidade — da mesma forma que os Serafim são descritos cobrindo o rosto na presença do Senhor (Isaías 6.2,3). Quando Abraão se encontrou na presença de Deus, disse: “Eu sou pó e cinza” (Gênesis 18.27). Quando Moisés O contemplou na sarça ardente, “escondeu o rosto” (Êxodo 3.6). São muitas e proveitosas as lições para nós nesse extraordinário incidente.
Primeiro, podemos observar que a maneira de Deus agir é inesperada. Se perguntássemos qual seria a maneira mais provável pela qual Deus haveria de falar a Elias — se por meio do forte vento e do terremoto ou por meio do cicio tranquilo e suave — acreditamos que a grande maioria optaria pelos dois primeiros. E não é dessa forma que acontece em nossa própria experiência espiritual? Nós Lhe suplicamos fervorosamente que nos conceda uma segurança mais definida e firme da nossa aceitação em Cristo, e achamos que a Sua resposta será uma espécie de choque elétrico na alma ou alguma visão extraordinária; mas ao contrário, ela vem por meio do suave cicio do Espírito que testemunha com o nosso espírito que somos filhos de Deus. Noutra ocasião, suplicamos a Deus crescimento na graça, e esperamos que Sua resposta venha em forma de um maior senso da Sua presença; mas Ele silenciosamente nos faz ver mais da depravação oculta do nosso coração. Sim, muitas vezes Deus faz o inesperado na Sua maneira de lidar conosco.
Em segundo lugar, a preeminência da Palavra. Se quisermos reduzir a uma só palavra os variados fenômenos testemunhados por Elias no monte, podemos dizer que tudo foi uma questão de Deus falar a ele. Quando as Escrituras dizem “O Senhor não estava” no vento, no terremoto, e no fogo, temos de entender que não foi por meio deles que Ele Se dirigiu ao coração do profeta; em vez disso, foi por meio do “cicio tranquilo e suave”. Com respeito a esse último agente como o emblema da Palavra, encontramos a confirmação no impressionante fato de que a palavra hebraica “suave” é a mesmíssima usada em Êxodo 16.14, “uma coisa fina”, e nem é preciso dizer que o maná, por meio do qual o Senhor alimentou Israel no deserto, era um tipo do alimento que Ele provê para nossa alma. Embora a maravilhosa sabedoria e o imenso poder de Deus se manifestem na criação, contudo não é por meio da natureza que se consegue entender e conhecer a Deus, e sim por meio da Palavra aplicada pelo Seu Espírito.
Em terceiro lugar, no fenômeno do monte, podemos perceber uma impressionante ilustração do vívido contraste entre a Lei e o Evangelho. O vento que rebentava as rochas, o terremoto e o fogo eram figuras da Lei que produz terror (como se pode ver pela sua presença no Sinai), mas o “cicio tranquilo e suave” era um emblema adequado do “Evangelho da paz” que acalmou o peito atribulado. Assim como o arado e a grade são necessários para revolver a terra endurecida a fim de prepará-la para a semente, assim também o senso da majestade, da santidade e da ira de Deus são os arautos que nos preparam para apreciar de fato a Sua graça e amor. Os desatentos têm de ser despertados, a alma tem de tornar-se ciente do perigo que corre, a consciência tem de ser convencida da corrupção do pecado, antes de haver qualquer conversão a Deus e fuga da ira vindoura. Embora essas experiências não salvem, contudo elas preparam o caminho, assim como o ministério de João Batista preparou os homens para que contemplassem o Cordeiro de Deus.
Em quarto lugar, por meio deste incidente podemos ver uma figura da maneira como Deus normalmente lida com as pessoas, pois Ele costuma usar a Lei antes do Evangelho. A despeito do que se diz atualmente, continuo crendo que é costume do Espírito ferir antes de curar, sacudir a alma por sobre o inferno antes que Ele lhe comunique alguma esperança do céu, levar o coração ao desespero antes de ser trazido a Cristo. A satisfação consigo mesmo precisa ser duramente abalada e os trapos da justiça própria precisam ser arrancados se é que o coração deva ser enchido de profundo senso de necessidade. Os hebreus tiveram de ser colocados debaixo do chicote dos seus senhores e levados a gemer nos fornos de tijolos antes que desejassem ser libertos do Egito. O homem tem de saber que está completamente perdido antes que suplique por salvação. O vento e o fogo têm de fazer seu trabalho antes de podermos apreciar “os vivas de júbilo” (Salmo 89.15). É preciso que a sentença de morte seja lavrada sobre nós antes que nos tornemos a Cristo em busca de vida.
Em quinto lugar, com frequência esse é o método de Deus de responder às orações. É comum os cristãos esperarem que Deus lhes responda as petições com sinais impressionantes e maravilhas espetaculares e, pelo fato de não serem concedidas dessa forma, concluem que Ele não lhes presta atenção. Mas a presença e o poder de Deus não devem ser avaliados por meio de manifestações anormais e visitações extraordinárias. As maravilhas de Deus raramente são operadas com barulho e impetuosidade. Qual é o ouvido que consegue detectar o som do orvalho que cai? A vegetação cresce silenciosamente, contudo cresce de fato. Quer seja na graça, quer seja na natureza, Deus normalmente trabalha de forma suave, em silêncio, imperceptível, exceto pelos efeitos que são produzidos. A fidelidade e a devoção a Deus não se encontram tanto onde existe grande agitação e sensacionalismo. A bênção do Senhor está presente no discreto e perseverante uso dos meios que Ele apontou, meios esses que não chamam a atenção nem do vulgar nem do carnal.
Em sexto lugar, esta cena no Horebe contém uma adequada mensagem para os pregadores. Quantos ministros do Evangelho se desanimam, embora com muito menos motivos do que Elias. Eles têm sido incansáveis no trabalho, zelosos pelo Senhor, fiéis na pregação da Palavra, contudo sem resultado algum, não há resposta, parece tudo em vão. Mesmo assim, admitido que esse seja o caso, e daí? Procure firmar-se sempre de novo na grande verdade de que o propósito do Senhor não falhará, e esse propósito inclui o amanhã tanto como o hoje! O Altíssimo não está restrito a nada nem a ninguém. Elias pensou que o trabalho todo tinha de ser feito por meio dele, mas aprendeu que ele era apenas um fator dentre vários. Faça a sua parte onde quer que Deus o coloque: passe o arado no campo e lance a semente, e embora você não veja fruto nenhum, quem sabe não virá depois de você um Eliseu que faça a colheita.
Em sétimo lugar, encontramos aqui uma solene advertência para os que ainda não estão salvos. Não se zomba de Deus impunemente. Embora Ele seja longânimo, há um limite para a Sua paciência. Aqueles que não aproveitaram o seu dia de visitação e oportunidade sob o ministério de Elias provaram quão terrível coisa é desprezar os alertas de Deus. A misericórdia foi seguida de juízo, drástico e devastador. As fortalezas de Israel foram destruídas e os seus jovens assassinados ao fio da espada. Será essa a terrível sorte da presente geração? Terá sido ela destinada por Deus para a destruição? Cada vez mais parece que assim é. As multidões foram vencidas por um espírito de loucura. Os mais solenes presságios da tempestade que se aproxima não são levados em consideração de forma ostensiva. As palavras dos servos de Deus dão em ouvidos surdos. Oh, leitores que ainda não foram salvos, corram para Cristo sem mais demora, antes que o dilúvio da ira de Deus os engolfe a todos.
Extrados de The Life of Elijah.
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Tradução: Helio Kirchheim