Celebrando Deus

Cristo – O Homem Perfeito

“Nada havia de mesquinho nem tampouco de extravagante no caráter do Homem perfeito”

Vamos considerar agora a oferta de manjares, que, de uma maneira muito clara, apresenta Cristo Jesus como Homem. Assim como o holocausto simboliza Cristo na morte, a oferta de manjares representa-O na vida. Nem num nem no outro se trata da questão de levar o pecado. No holocausto vemos expiação, mas não é uma questão de levar o pecado (1) — não é imputação do pecado — nem manifestação da ira por causa do pecado. Como podemos saber isto? Porque tudo era consumido sobre o altar. Se houvesse nele alguma coisa referente à remoção do pecado teria sido consumado fora do arraial (veja Lv 4:1,12 com Hb 13:11).

Porém, na oferta de manjares nem sequer havia derramamento de sangue. Encontramos nela uma formosa figura de Cristo, como viveu, andou e serviu na terra. Este fato, em si, é suficiente para persuadir a mente espiritual a considerar esta oferta atentamente e com oração. A humanidade pura e perfeita de nosso bendito Senhor é um tema que requer a atenção de todo o verdadeiro crente. É de recear que prevaleça muita liberdade de pensamento sobre este santo mistério. As expressões que às vezes se ouvem e se lêem bastam para provar que a doutrina fundamental da encarnação não é compreendida como a Palavra de Deus no-la apresenta. Tais expressões podem, muito provavelmente, proceder de uma má compreensão da natureza verdadeira das Suas relações e do verdadeiro caráter dos Seus sofrimentos; mas seja qual for a causa que lhes dá origem, devem ser julgadas à luz das Sagradas Escrituras e rejeitadas. Infalivelmente, muitos dos que fazem uso dessas expressões recuariam como horror e justa indignação ante a verdadeira doutrina que elas encerram, se esta fosse exposta perante eles no seu verdadeiro e extenso caráter; e, por esta razão, deve haver o cuidado de não atribuir erro à verdade fundamental, quando pode muito bem ser apenas incorreção de linguagem.

O Senhor Jesus Cristo foi o único homem perfeito que jamais pisou esta terra. Era todo perfeito — perfeito em pensamento, palavras e ação. N´Ele todas as qualidades morais se encontravam em divina e, portanto, perfeita proporção. Nenhuma qualidade pré-ponderava. N´Ele entrelaçavam-se singularmente a majestade que amedrontava e a delicadeza que dava um perfeito à vontade na Sua presença. Os escribas e fariseus eram severamente censurados por Ele, enquanto que a samaritana e a mulher que era “pecadora” eram inexplicável e irresistivelmente atraídas para Ele. Nenhuma qualidade deslocava outra, porque tudo estava em bela e airosa proporção. Isto pode verificar-se em todas as cenas da Sua perfeita vida. Podia dizer a respeito de cinco mil pessoas famintas: “Dai-lhes vós de comer”; e, depois de estarem satisfeitas podia acrescentar, “Recolhei os pedaços que sobejaram, para que nada se perca”.

A benevolência e a economia são ambas perfeitas. Uma não interfere com a outra. Cada uma brilha na sua própria esfera. Não podia despedir a multidão faminta; tampouco podia permitir que um simples fragmento do que Deus criara fosse desperdiçado. Supria com mão-cheia e liberal as necessidades da família humana, e, quando isso fora feito, guardava cuidadosamente cada átomo deixado. A mesma mão que estava sempre aberta a toda a forma de necessidade humana estava firmemente fechada contra toda a prodigalidade. Nada havia de mesquinho nem tampouco de extravagante no caráter do Homem perfeito, o Homem do céu.

Que lição para nós! Quantas vezes acontece conosco que a benevolência degenera em injustificável prodigalidade! E, por outro lado, quantas vezes a nossa economia é manchada pela exibição de um espírito avaro!
Por vezes os nossos corações mesquinhos recusam abrir-se às necessidades que se nos apresentam; enquanto que noutras ocasiões dissipamos por frívola extravagância o que poderia satisfazer muitos dos nossos semelhantes necessitados. Oh! prezado leitor, estudemos atentamente o quadro divino que nos é apresentado na vida de “Jesus Cristo, homem”. Quão confortante e edificante é para “o homem interior” estar ocupado com Aquele que foi perfeito em todos os Seus caminhos e que em tudo deve ter a “preeminência”!

Vede-O no jardim do Getsêmane. Ali, Ele ajoelha-Se no recôndito profundo de uma humildade que ninguém senão Ele podia mostrar; mas, todavia, adiante do bando do traidor mostra uma presença de espírito e majestade que nos faz retroceder e cair por terra. O seu comportamento diante de Deus é de prostração; mas perante os Seus juízes e acusadores de dignidade inflexível. Tudo é perfeito. O desapego, a humildade, a prostração e a dignidade são divinos.

Assim também quando contemplamos a combinação formosa das Suas relações divinas e humanas observa-se a mesma perfeição. Ele podia dizer, “Porque é que me procuráveis? Não sabeis que me convém tratar dos negócios de meu Pai?”. E, ao mesmo tempo, podia descer a Nazaré e dar ali um exemplo de perfeita sujeição à autoridade paternal (veja Lc 2:49-51). Podia dizer a Sua mãe: “Mulher, que tenho eu contigo?” E, contudo ao passar pela agonia indizível da cruz podia confiar ternamente aquela mãe ao cuidado do discípulo amado. No primeiro caso, Ele separou-se no espírito de perfeito nazireu, deu expressão aos ternos sentimentos do perfeito coração humano. A devoção do Nazireu e a afeição do homem eram igualmente perfeitas. Não houve interferência nem num caso nem no outro. Cada uma brilhava com brilho límpido na sua própria esfera.
Agora, a sombra deste Homem perfeito passa perante nós na “flor de farinha” que formava a base da oferta de manjares. Não havia nela um grão mal moído. Nada desigual, nada desproporcional, nada revelava aspereza. Não importava qual fosse a pressão vinda do exterior, a superfície era sempre uniforme. O Senhor nunca foi perturbado por quaisquer circunstâncias. Nunca teve de retroceder um passo ou retirar uma palavra. Viesse o que viesse enfrentava sempre as circunstâncias com aquela uniformidade admiravelmente simbolizada na “flor de farinha”.

Em todas estas coisas desnecessário é dizer que Ele está em flagrante contraste com os Seus mais honrados e consagrados servos. Por exemplo, Moisés, embora fosse “muito mais manso do que todos os homens que havia sobre a terra” (Nm 12:3) “falou imprudentemente com seus lábios” (SI 106:33). Em Pedro vemos um zelo e uma energia que, por vezes, eram excessivos; e, também noutras ocasiões, uma covardia que o levava a fugir do lugar de testemunho e vitupério. Fazia afirmações de uma devoção que, quando chegava a altura de agir, não se via. João, que respirava tanto da atmosfera da presença imediata de Cristo, manifestou, por vezes, um espírito sectário e intolerante. Em Paulo, o mais consagrado dos servos, descobrimos considerável desigualdade: dirigiu palavras ao sumo sacerdote que teve de retirar (At 23). Escreveu uma carta aos Coríntios, de que logo se arrependeu, para mais tarde não se arrepender (2 Co 7:8). Encontramos em todos qualquer falha, menos n´Aquele que “é cândido e totalmente desejável entre dez mil”.

No estudo da oferta de manjares, para mais clareza e simplicidade dos nossos pensamentos, convém considerar primeiro os materiais de que era composta; depois as diversas formas em que era apresentada; e, por último, as pessoas que participavam dela.

Fonte: Comentário de Levítico (Notas sobre o Pentateuco)
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